sábado, 25 de fevereiro de 2012

O Último Recado



        Peguei um papel, meio amassado meio rasgado, com as pontas tronchas, solto ao chão, meio amarelado do sol, umedecido pela chuva, que mais parecia lágrimas de um jovem adolescente, que ora caía lentamente, outrora intensamente, dividida entre trovões e súbitos relampagos a soluçar.


        Com a folha entre os dedos, "corri" ao bolso em busca do lápis que me lembrava a essencia de uma infância escolar. Era preto,  com algumas letras douradas na lateral, mordiscado numa extremidade, pois usáva-o para também pensar. Quando colocava a mão no queixo, o lápis na boca e elevava o pensamento, parecia que ele canalisava as idéias, ajudando-me nas prosopopeias, que tomava conta do meu ser.
 

        Estava um tanto cansado. O apontador com ele era malvado, ao desejar sua ponta sempre perfeita, estando sempre na espreita, no intuito de fazer lindas linhas num novo caderno.
 

        Senti o peito apertar, a pressa tomar de conta, a ansiedade um tanto tonta, a lucidez misturar em devaneios - dizem que amor é  amor, o fim justifica os meios.
Segui em busca de um apoio para escrever o recado que deixaria no seu grande portão, para que quando acordasse, por mais que distante eu andasse, e o tempo jamais parasse, o lê-se com muita emoção. Que soubesse que ali estive, que tudo aquilo sobrevive, depois de percorrer caminhos, planicies e declives, e meter os pés pelas mãos. Mas que se fosse pecado, por amor eu tinha tentado, deixar um simples recado, para que cuidasse de um coração.
 

        Parei em frente a uma pracinha, sentei num banco ao lado de uma andorinha, com as mãos tremulas de que urgente queria escrever. Falava como se estivesse escrevendo, saía da boca, mas no papel não estava lendo, não sabia o que ía acontecer.
Foi então que suspirei um bucadinho, fechei os olhos me enchi de carinho e no papel fui escrever.
 

        "Amor, vim aqui te desejar bom dia. Não me esqueces, fostes meu guia, mesmo que os ascendentes não te permitam amar. Se os sonhos foram perdidos e a correnteza do rio fez tudo parecer em vão, o grito não foi suprimido, falei a verdade em cada ouvido, falei com a voz do coração. E, ainda, que todas as letras de um passado não distante para se viver uma grande e história feliz, nada foi jogado ao vento, perdoa-me o desatento, sou um pobre sonhador infeliz. Segues que nem passarinho, abre as asas,  voa livre no teu ninho, que meu canto vou guardar. E quem não acredita no amor e por pena de outro segue a viver, um dia entenderá que a verdadeira poesia, está na felicidade no dia a dia, que só quem sente pode saber. Podem dizer o que quiser de mim, a culpa na verdade foi do querubim, que embriagou-se na hora de flechar. Por fim, sem mais fazer alarde, rogo a Deus, que cedo ou tarde, tudo isso venha cessar. E assim quando for transformado, na passagem de um grande tornado, devastando as entranhas de um coração, encontrarei um abrigo, levo a flor sempre comigo e a lembrança de um amor vivido, onde quer que encontre proteção."


3 comentários:

Fina disse...

Muito legal e precisa ser "saboreado" lentamente.Escreve coisas com poder penetrante, nos levando ao passado, resgatando imagens e situações.
Simplesmente maravilhoso!!!
Parabéns!!
beijos

Jamý disse...

É bom ler-te, pense! Suas rimas embaçam músicas em nossas mentes, é bom.
Parabnéns. Belo texto!

O Divã Dellas disse...

Me vi em cada linha!!!


Ah, se eu pudesse amarrar esse texto num pombo-correio e soltá-lo com destino certo.

Obrigada, amigo!!

Eu sei que "qualquer semelhança é mera coicidência..."

hahahaha

beijos!!

Verônica